Da Roda ao Circuito: 1001 noites de INTERSESSÕES
Tapioca, update, lua cheia.
Respira. Release...
Do boca-a-boca ao P2P, com lap tops nas mãos e pés na areia, os círculos e ferramentas de
compartilhamento de conteúdo não são uma invenção da era digital, mas hábitos dos mais
antigos e simples da nossa espécie. Escolha uma data e um local, ao redor do fogo ou não
e faça uma roda: esta aí um exemplo que independe de qualquer meio. O limite da roda é o
limite da atenção compartilhada que estabelece o grupo e o terreno da apresentação, da troca
de experiências, de informações, objetos, sorrisos, e da dispersão em abraços, conversas e
grupos menores até que por fim, se retoma o caminho próprio com vestígios, uma história,
um zine, um k7 ou cd, um livro, ou, quem sabe, uma idéia. Rastros de bússolas, estrelas,
GPS, ou até um email ou site anotado no guardanapo servem como guia, e, assim, trilham-
se percursos no mapa encontrando em zonas vazias, faróis e estalagens abrigo e práticas de
compartilhamento entre semelhantes.
Quando se estabelece o próprio mapa, ironicamente descobre-se por vezes que habitamos
zonas escuras. O interesse pelo ruído coça os ouvidos desde os porões do punk e hard core
até as salas de concerto. O barulho tem frestas misteriosas e obscuras [ou silenciosas?], que
estão na musica academica, eletroacustica, na musica eletronica de pista, nas bandas que
fazem experimentações timbrísticas indo até as pessoas em solitude futricando objetos sonoros
e circuitos modificados em casa. Ainda que presente em diversos lugares e estilos, seja de
maneira parasita ou simbiótica, parece que o ruido dificilmente é trabalhado em palcos fora
dos intervalos musicais. Talvez uma sonoridade diferente necessite de um espaço e tempo
diferentes para se apresentar. E nós?
Em busca das estalagens ruidosas nos deslocamos sobre o espaço geográfico e tivemos
a felicidade de encontrar lugares onde o palco era baixo o suficiente para subirem novas
propostas sonoras. As vezes tais lugares eram coletivos auto-geridos, outras cidades vizinhas,
as vezes aconteciam na mesma lingua em uma loja de discos, outras com sotaques a
3000 metros de altitude. Circuitos informais, ouvidos profundos, surpresas sinceras, sem
intermediários. Alguns lugares possuem história ao invés de material de divulgação. Se
sentiamos falta desse tipo de lugar na nossa cidade, já deveriamos desconfiar que esse
movimento que nos levou interessados para fora começou a trazer visitantes interessados para
dentro também.
Começamos a receber acenos de navegadores de mil e um lugares que passavam pela nossa
plataforma online [www.azucrinarecord.net] buscando um sítio fixo para aportar em Belo Horizonte e, claro, tocar. Se não tinhamos espaço físico (somente a plataforma online para disponibilizar shows, gravações, releases de albuns, etc), ora, era preciso criá-lo. Podiamos aproveitar de estruturas existentes para propor novas experiências, colaborando com artistas locais e em transito para realizar encontros periódicos, fotografar, filmar, gravar e publicar nossa música ruída na rede. Em 2009 criamos o mini-circuito noise chamado Interferência. Graças a uma conjuntura de vetores [Azucrina Records, Ibrasotope, Marginalia + LAB, Gambiólogos, Retrigger] esse evento resultou num circuito de palestras, debates, oficinas e apresentações que marcou um novo pulso mobilizador para ações de experimentação e improvisação audiovisual em
nossa comunidade. A partir desse evento inicial, o Marginalia + Lab convidou o Azucrina Records e colaboradorxs3 para ocupar um espaço de experimentação sonora dentro dos seus eventos e, paralelamente a isso, tivemos duas experiências marcantes no Rio de Janeiro. A primeira, uma oficina no espaço Plano B [loja de discos, oficina e espaço para shows e improvisação de música experimental as sextas e sabados, impreterivelmente, gratuitamente] que resultou do projeto chamado PDO. Esse projeto/banda/grupo programa seus próprios instrumentos em software livre e faz performances de jams improvisadas mesclando outros instrumentos e convidados eletrônicos intercambiáveis.
A experiência com o PDO e a convivência com o Plano B foram a inspiração e também prática
que faltava para tirarmos da internet as convergências e experiências que tinhamos em mente.
Farol aceso sinalizando porto seguro em Belo Horizonte criamos o Interesessões. Recebemos
no ano de 2010/2011 contatos, pessoas, apoio, oficinas e projetos de São Paulo, Porto Alegre,
Rio, Argentina, Colômbia, Peru, Havai, Polônia, Suiça e Espanha viabilizando e podendo
disfrutar de oficinas de circuit bending, sampleagem radical, decomposição de compositores,
transdutores eletromagnéticos e tantas coisas absurdas que se tornaram comuns através da
construção colaborativa de eventos, compartilhamento de equipamentos, estruturas, opiniões,
set-ups e preocupações com a comida para cada um. Bom, esse foi o trabalho duro. De brinde,
ouvimos e vimos muitas referências longinquoas, além de despertar relações novas e próximas
ampliando nossa maneira de compor, ouvir, soar e abrir nossa cabeça e nossa cidade para a
experimentação sonora.
Já em sua sétima edição esse encontro é uma roda-circuito-projeto que busca realizar o
intercâmbio e aproximação entre linguagens do circuito da música e artes experimentais. O
título resulta da “interseção” entre trajetórias de artistas locais e internacionais em trânsito
que nesses são convidados para “sessões” de improvisação voltadas para a experimentação
de tecnologias híbridas envolvidas na composição sonoro-visual. Meio-noise à meia-luz,
Intersessões é um evento colaborativo, itinerante e influenciável a cada edição através das
diversas referências dxs convidadxs. Acreditamos no ruído como um modo de ruptura de
paradigmas excludentes e totalitários. Um espaço onde é possível exercer a idiossincrasia e a
diversidade para além de padrões temperados dos salões e rítmos quaternários dos porões.
Onde é possível explorar o potencial mecânico das vibrações sonoras, se fazer ouvir pela pele
e o estômago, exortar um sentimento e evanescer. A crítica é o ruído. Ou cantaremos todxs em
uníssono até a própria extinção?
O som tem o poder de catalisar encontros. Da roda ao circuito o que importa não é só o
produto do cultivo, mas todo o processo contínuo de construção coletiva e compreensão das
estações que nos leva a ruir quintal afora, telhado acima, porão adentro, onde for. Como um
farol virtual, disponibilizamos no nosso site as gravações, fotos e vídeos como vestígios de
nossas atividades, circuitos e rodas.
Edith Undo (co-fundadorx Azucrina Records)
Nesse artigo utilizamos a linguagem inclusiva, ou seja, a letra “X” substituira? os artigos femininos e masculinos nas palavras de modo que o ge?nero inclua diferentes sexos, na?o considerando o masculino como neutro e agente de todas as ac?o?es.
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